O TikTok celebra as diferenças, inclusão e diversidade dentro da plataforma. Pensando nisso, o Lugar de Falas traz o perfil de Gabriel Bernardes (@downlicia), criador que acumula mais de doze milhões de curtidas e um milhão de seguidores, divertindo o público com receitas e dicas deliciosas. Gabriel foi um dos destaques da Forbes Under 30 em 2020, mostrando a importância da plataforma para seu alcance.

Foto: Andre Miranda

Foto: Andre Miranda


Conte-nos um pouco sobre sua história.

A minha história começa assim: aos 3 meses de gestação minha mãe ficou sabendo que estava gerando um bebê com síndrome de down. A decisão foi de não abortar e iniciar então um longo estudo sobre o que era a SD. Após o meu nascimento, ela começou o tratamento com os estímulos precoces. Sem recursos para fazer o atendimento diário, ela conta que foi combinado com a fisioterapeuta e fonoaudióloga que eu iria uma vez por semana e diariamente faria exercícios em casa conforme orientação das duas especialistas. O grande estímulo na verdade, era a minha irmã Carolina, que tinha 1 ano e meio a mais que eu. Minha mãe conta que tudo que ela fazia eu prestava atenção e queria fazer igual.

Desde muito pequeno sempre fui estimulado a fazer as coisas sozinho. Era um tal de: - Gabriel pega a colher de pau na gaveta pra mamãe? - Gabriel faz um sanduiche pra Carol? - Gabriel faz um suco pra gente? - Gabriel tira a roupa da máquina enquanto eu lavo a louça? - Gabriel recolhe o lixo e coloca na rua para o lixeiro levar? Ela dizia que a inclusão precisa partir de dentro de casa para depois cobrarmos que a sociedade seja inclusiva.

Por questões financeiras, houve a necessidade de ficarmos sozinhos, eu com 9 anos e Carol com 11, para a mãe ir trabalhar. Eu me virava muito bem. Minha mãe dizia que eu tomava conta da casa melhor que ela e minha irmã. Foi nessa época que eu comecei a fuçar na cozinha e a misturar ingredientes, às vezes ficava bom, outras ficavam muito ruins. Um dia as surpreendi levando café na cama, com direito a bandeja e tudo. Isso era muito legal, pois a cada dia que passava eu tinha mais e mais autonomia. E estava tudo uma delícia!

Fui crescendo e ajudando em casa, lavando louça, lavando banheiro, fazendo comida, cuidando do cachorro, ajudava na faxina em casa e brincava muito também.

Aos 17 anos, comecei a andar sozinho na rua pelo bairro. Aprendi a comprar pão na padaria, ir ao mercado comprar a ração de cachorro, batata, e de quebra comprava umas guloseimas (porque ninguém é de ferro, né?). Aos 20 anos, andei de metrô e ônibus sozinho. Minha mãe e irmã me levaram por 1 mês ida e volta da Av. Paulista para casa e casa para Av. Paulista de ônibus e metrô até eu aprender.

Quando minha mãe percebeu que eu tinha amor em cozinhar e que amava mais ainda quando elas diziam que estava uma delícia, foi quando começamos (eu e minha família) a procurar cursos para que eu me capacitasse. Em um desses cursos, algumas mães comentavam com minha mãe, que eu falava bem e era muito esperto. Minha mãe contava a elas que eu ficava sozinho em casa e fazia muitas coisas gostosas. Ela sempre dizia que o meu sanduiche era o melhor de todos e que elas não conseguiam fazer igual por mais que tentassem. As pessoas não acreditavam que eu mexia com água fervendo, forno quente, óleo quente etc.

E como foi começar a produzir conteúdo na internet?

Foi então que tivemos a ideia de me gravar fazendo as atividades de casa para mostrar do que eu era capaz e assim estimular outras mães a dar mais liberdade para seus filhos e que eles conseguissem colocar em prática o que têm em mente. Nessa época não tínhamos equipamento de gravação, tão pouco uma cozinha gourmet para gravar os vídeos.

Nosso equipamento de gravação era formado por: celular para filmar, escada de alumínio (articulada) emprestada, tábua que usamos para colocar em cima da escada, papel contact que ganhamos de uma amiga para forrar a tábua. Com a escada e a tábua fizemos a mesa alta como se fosse uma bancada.

De forma muito simples, mas com o objetivo de motivar e mostrar as habilidades de uma pessoa com deficiência, começamos a gravar os vídeos e postar nas redes sociais. Além de me estimular, os vídeos têm estimulado outras mães a sonharem com uma vida mais ativa e participativa de seus filhos na sociedade.

Quando e por que você começou a gravar conteúdo para o TikTok?

Comecei a gravar com frequência em 2020, durante a pandemia. Quando comecei a postar nas plataformas, muitas pessoas já usavam o TikTok, porém não iniciei de imediato a postar na plataforma por falta de conhecimento. Eu achava que não era muito pra mim. Foi até que um dia uma seguidora me pediu permissão para reeditar um vídeo de um bolo de laranja para postar no TikTok em homenagem ao agosto laranja. Nós autorizamos (eu, minha irmã e mãe), mas ficamos curiosos em saber como ficaria essa edição e post.

Pedimos que essa seguidora nos enviasse uma cópia do vídeo para postarmos e tivemos a alegria de ver que existiam pessoas interessadas em aprender receitas. Tive um acolhimento de imediato. O motivo de entrar de vez no TikTok foi o de me sentir abraçado pelas pessoas. Desde o primeiro post todos me aceitaram do jeitinho que eu sou, do meu jeito de falar, de me apresentar e de me comunicar com as pessoas. Muito rapidamente, vi o perfil crescer e com um engajamento que aqueceu meu coração. Percebi que não sou eu que estimulo as pessoas, mas sim as pessoas que me estimulam e me incentivam a cada vídeo. Desde então, fiquei motivado para aprender como funcionava a plataforma e nunca mais parei de postar.

Em que momento você percebeu que tinha se tornado um criador? O que isso significou para você?

Ser criador de conteúdo é uma responsabilidade muito grande. Vai muito além de criar. É inspirar pessoas, é mudar conceitos, é abrir caminhos. Isso tudo é muito novo pra mim. Eu me dei conta que tinha essa conexão com as pessoas, quando uma mãe me mandou nos comentários que tinha vindo me assistir porque o filho dela havia mostrado meu perfil a ela, e por isso ela acabou baixando o aplicativo e criando uma conta pra ela. Isso me arrepia sempre que me lembro. Como que eu, uma pessoa invisível até ontem, entrei na casa de uma família e essa família me aceitou para fazer parte do seu dia a dia. Não existem palavras para descrever o que isso significa. É o coração saindo pela boca, um nó na garganta.

O que a amplificação da sua voz, por meio da plataforma, significa para a sua vida?

Significam tudo! Foi uma transformação de vida! Conforme o meu perfil foi crescendo, e conseguimos alcançar mais e mais pessoas, tivemos a possibilidade de mostrar ao mundo que a deficiência é apenas uma parte de mim, desmistificando assim uma série de tabus, e de criar uma nova percepção das coisas do que eu sou capaz de fazer. As pessoas conseguiram me enxergar além da minha deficiência, cozinhando de igual pra igual, rindo e me divertindo, mostrando que existe alegria em quem tem deficiência. Isso tudo não tem preço! E é um avanço gigantesco poder contar com uma plataforma que promove a inclusão e diversidade.

Qual o seu sonho de vida como criador no TikTok?

Meu sonho é bem grandão. Sonho em ser embaixador do TikTok, ser igual ao meu ídolo @Bayashi.tiktok. Além, claro, crescer muito mais e poder alcançar mais e mais pessoas e poder falar: acreditem em seus sonhos!

Na sua opinião, quais são os principais atrativos do TikTok para produzir conteúdo?

A leveza do TikTok é sem dúvida um dos maiores atrativos da plataforma. A satisfação de saber que ao abrir o app e ver um vídeo de humor, comedia, animais, dancinha, uma pessoa cozinhando de forma leve e divertida, uma pessoa ensinando como fazer quiropraxia, médicos ensinando como fazer lavagem nasal. Não tem como negar! É uma plataforma para todos! Sem distinção, sem discriminação, sem preconceitos. E é de uma forma muito natural como os vídeos novos chegam para serem visualizados. Confesso que passo horas vendo vários tipos de conteúdo. A facilidade do algoritmo em te impulsionar e te recomendar também é incrível! As recomendações se adequam exatamente ao nosso gosto e fica muito legal assistir aos vídeos assim.

Como o TikTok impactou a sua vida?

De muitas formas. Desde que comecei a produzir conteúdo para a plataforma tudo mudou! O TikTok me deu voz e possibilidade de estar onde eu jamais imaginei. Eu falo para muitas pessoas. Nunca pensei que tantas pessoas, sejam elas quem forem, poderiam se interessar pelo meu conteúdo. Durante a pandemia eu mudei a minha vida ao entrar para a plataforma. O TikTok me proporcionou ter contato com muitas marcas e pessoas incríveis, isso transformou minha vida financeira e o meu negócio. Existem empresas que querem me contratar para diversos trabalhos, publicitários, para dar aula, show, palestras, e por conta de todo esse alcance e visibilidade meus brigadeiros também ficaram super conhecidos! Sou muito grato a tudo que o TikTok tem me proporcionado.

Eu tenho deficiência intelectual, aliado a isso, tenho dificuldade na fala e dificuldade em respostas rápidas. Também tenho perda auditiva devido a cirurgia para retirada de um colesteatoma. Todas as deficiências acabam se tornando pequenas diante do acolhimento e aceitação das pessoas para comigo. As pessoas acabam focando nas receitas e gostando do conteúdo sem que a deficiência seja o centro das atenções. É muito legal poder mostrar através do meu jeito de ser que eu consigo fazer receitas saborosas e bonitas, como qualquer outra pessoa.

Seu conteúdo é muito gastronômico, de onde vem a inspiração?

Minha maior inspiração é minha mãe. Foi ela que me ensinou quase tudo que eu sei. Também sou muito fã do Chef Jaquin, do Chef Claude e Batista, da Carole Crema e tantos outros gigantes da gastronomia.

Você tem ajuda para gravar seus vídeos?

Tenho sim, minha mãe e irmã gravam sempre comigo. Eu escolho as receitas e são elas que captam as imagens e editam. Minha equipe é essa e é tudo em família!

Como é para você, perceber que é uma voz muito forte da comunidade na plataforma?

Na verdade, não tenho toda essa percepção de ser forte. Sou apenas uma pessoa que deseja mostrar minhas habilidades, e é através da culinária que tento desmistificar e apresentar um outro lado das pessoas que tem síndrome de down a sociedade. O mais legal e interessante na plataforma, é que 90% das pessoas que curtem meu trabalho e me seguem não tem deficiência. Fico muuuuito feliz com isso, porque é essa igualdade que tanto buscamos. Falar de igual pra igual. No mesmo nível da escada, nem acima, nem abaixo. Isso é maravilhoso demais!

Quais suas receitas favoritas para postar no TikTok?

Eu sempre procuro gravar receitas de comidas que eu como. Você nunca vai me ver postar uma comida que eu não gosto (postar porque todo mundo gosta). Embora que pra mim é muito fácil essa parte porque eu gosto de comer de tudo, tudo mesmo! Hahahahaha

Amo comer massas, carne, vegetais, frutas, grãos, pão, ovos. Bolos e doces então nem se fala.

Então basicamente minhas receitas são: variações de café da manhã com pães, sucos, refeições como: lasanha, macarrão, carne, na confeitaria: bolos caseiros e confeitados, brigadeiros de diversos sabores.

Você considera o TikTok um lugar acolhedor para produzir conteúdo? Como você enxerga isso?

É o melhor e maior lugar para se produzir conteúdo. Além de acolher, ele amplia a voz de quem jamais pensou em ser ouvido. Isso é o que mais me conquistou na plataforma, essa diversidade. É a verdadeira definição de abrir portas para um mundo melhor e com mais equidade. Se há 5 anos atrás alguém me falasse que isso seria possível, eu iria rir muito e logicamente duvidar disso, visto que minha história de vida é de muita dificuldade em vários aspectos, desde financeiro até a minha deficiência. No TikTok eu posso simplesmente ser e mostrar quem sou. De uma forma simples e natural conseguimos fazer acontecer a diversidade e isso é magico. Isso é diversidade e inclusão de verdade.

Quais suas maiores inspirações dentro do TikTok?

@Bayashi.tiktok é a maior inspiração! Tem também @aquelareceita e a @bianca_amordecasinha.