A Bia Fumelli (@biafumelli) é bióloga, atua no ramo de estudo de células cancerígenas, e produz conteúdo sobre ciência no TikTok. Com mais de 74.9 mil seguidores e 19 milhões de curtidas, seu perfil aborda os mais diversos temas – desde a série The Last of Us até aquecimento global – sempre ajudando a comunidade da plataforma a aprender mais sobre ciência de forma leve. E, no mês em que é celebrado o Dia das Mulheres e Meninas na Ciência, Bia é o destaque do Lugar de Falas.

Conte-nos um pouco sobre sua história de vida e trajetória na internet. Quando e por que você começou a gravar conteúdo para o TikTok?
Eu comecei a gravar conteúdo durante a pandemia de COVID-19 na tentativa de explicar os assuntos científicos do momento, e que grande parte da população não entendia. Eu explicava a diferença entre as vacinas contra o coronavírus e falava bastante também sobre as queimadas e o desmatamento que atingiram níveis recordes no governo passado. Todo esse esforço era para esclarecer esses temas para as pessoas que eram próximas a mim na época, ou seja, meus amigos e familiares. Não pensava que isso poderia gerar frutos tão legais, como a construção de uma comunidade e oportunidade de trabalhos.

Em que momento você percebeu que tinha se tornado uma criadora? O que isso significou para você?
Eu percebi que tinha me tornado uma criadora no meu primeiro vídeo viral. Foi só nesse momento que compreendi a importância e o papel que eu poderia ter participando mais ativamente na educação dos meus seguidores. Isso significou assumir um novo compromisso e a adaptação da minha rotina para transformar o hobby de criar conteúdo em algo mais sério.

Você considera o TikTok um lugar acolhedor para produzir conteúdo? A comunidade do TikTok te auxilia no seu trabalho?
Sim, o TikTok é um excelente lugar para produzir conteúdo. Logo nos meus primeiros vídeos na plataforma eu fui conquistando um público engajado e interessado nos temas que eu abordo: ciência, curiosidades, meio ambiente e sustentabilidade. Às vezes até penso que um conteúdo tem chances de não ir bem (o famoso e temido flop), mas ver o público engajado, trazendo novas perguntas nos comentários, me incentiva a seguir produzindo e a levar o meu conhecimento adiante.

Animais, nutrição, microbiologia, curiosidades gerais... Sobre qual tipo de conteúdo você mais gosta de gravar?
Essa é uma pergunta difícil. Existem alguns conteúdos que eu preciso me aprofundar mais quando estou preparando o roteiro - e aí eu posso passar uma semana inteira só lendo artigo científico sobre aquilo. Mas no final, apesar de mais trabalhosos, eu acabo criando um laço afetivo maior com esses conteúdos, porque eu realmente me debrucei sobre o assunto. Porém, gravar conteúdos sobre células é o que realmente me deixa animada e acaba nem parecendo ‘trabalho’. Afinal, essa é a área que escolhi para seguir minha carreira acadêmica e, se eu não gostasse, o caminho ia ser bem mais difícil do que já é.

Qual cientista mais te inspira?
A cientista que me inspira e que marcou a minha vida quando eu era mais nova foi a Marie Curie. Afinal, ela foi a primeira cientista mulher a ganhar um prêmio Nobel e a primeira e única a ganhar em duas categorias diferentes. Mas existe uma outra pessoa que me fez seguir a carreira científica e que, na verdade, não era uma cientista: a Henrietta Lacks. No primeiro semestre da minha graduação eu li o livro ‘A vida imortal de Henrietta Lacks’, que conta a história de um médico que roubou as células de um câncer de colo de útero da Henrietta. Surpreendentemente, as células dela não morriam quando eram cultivadas e elas, inclusive, estão vivas até hoje! A Henrietta já faleceu, mas suas células, conhecidas como HeLa, estão inclusive no laboratório onde eu faço doutorado. Isso realmente mudou a minha vida e foi por isso que decidi seguir a carreira acadêmica em Biologia Celular.

O que a amplificação da sua voz e o impacto do seu conteúdo, por meio da plataforma, significam para a sua vida? Como se sente sendo uma importante voz na comunidade da Ciência na plataforma?
Ter um espaço como o que tenho no TikTok é fundamental para me sentir ouvida e para poder transmitir meus conhecimentos, sonhos e anseios com aqueles que compartilham dos mesmos interesses. É bem legal saber que tem mais um montão de gente interessada pela ciência, assim como eu! Ser uma importante voz na comunidade da Ciência no TikTok traz responsabilidades, mas é show saber que meu trabalho é valorizado e que existem pessoas que se espelham em mim para seguir a biologia como carreira também. Eu sempre me emociono com esses relatos!

Qual o vídeo que você gravou que você mais gosta e sente orgulho?
O vídeo que gravei que eu mais gosto e sinto orgulho é o ‘Existe uma razão científica nas Fake News!’. No dia anterior, eu tinha recebido algumas críticas em um outro vídeo falando que eu estava perdendo o meu tempo divulgando ciência, porque lugar de mulher deveria ser lavando louça. Isso me fez pesquisar a fundo as explicações da neurociência para acreditarmos tão fielmente em notícias falsas. E foi uma grande surpresa o resultado do conteúdo, porque ele engajou super bem! Inclusive, a Xuxa compartilhou o vídeo. Isso realmente foi bem legal. E ter conseguido transformar a sensação ruim das críticas em um conteúdo com resultados tão bons foi recompensador.

Como você tem usado a plataforma para se expressar de forma autêntica?
Se você não sabe o que um cientista de verdade faz na sua rotina, é só dar um pulinho no meu perfil. Lá eu mostro o meu dia a dia no laboratório, além de explicar as notícias do momento no mundo da ciência. Acredito que mostrar os bastidores da vida de um cientista e trazer explicações para os problemas atuais é o meu jeitinho de tentar transmitir como a ciência é incrível.

Quais criadoras te inspiram no TikTok?
A Kananda Eller (@deusacientista), Nunca vi 1 Cientista (@nuncavi1cientista), Mari Krüger (@marikruger), Lilium Educação (@lilium_educacao), Andreza Michel (@andreza.quimica) e a Flávia Masson (@flavonoidee) são algumas das mulheres incríveis que admiro no TikTok!

Qual o seu sonho de vida como criadora no TikTok?
O meu sonho de vida como criadora no TikTok é conseguir organizar ainda mais a minha rotina para produzir mais vídeos e ter muitos e muitos trabalhos, afinal todos nós queremos melhorar de vida né (risos). Mas além da questão financeira, realmente acredito que sou muito privilegiada por ter tido apoio da minha família para seguir a carreira científica. A verdade é que não é fácil, e no nosso país seguir essa carreira significa receber bolsa de auxílio a pesquisa. Eu não sou de São Paulo, na verdade nasci em Santos, e durante a minha graduação precisei me mudar, porque estava muito difícil subir e descer todos os dias para vir para a faculdade e trabalhar no laboratório. Então, se não fosse o apoio da minha família em muitos momentos, eu não teria conseguido. Hoje eu estou finalizando o meu doutorado, mas durante a minha iniciação científica eu recebia 600 reais por mês. Isso não chega perto de ser suficiente para viver em São Paulo. Acredito que o meu sonho de vida, não só como criadora no TikTok, é que o cenário para os cientistas mude para melhor. Hoje seguimos essa carreira porque ela nos encanta e fascina, mas não recebermos auxílio suficiente e não termos projeção de carreira futura, é desestimulante.

Você acompanha outras mulheres cientistas na plataforma? Quais assuntos você mais gosta?
Com certeza! Existem mulheres incríveis na plataforma fazendo trabalhos fundamentais. Os assuntos que eu mais gosto de consumir são sobre nutrição, porque essa é uma área difícil de encontrar profissionais que não radicalizem e não prometam milagres com produtos duvidosos. Então quando eu encontro conteúdos bons, baseados em evidências, como os da Isabella Lacerda (@isabellalacerda_nutri) e da Daiana Parisato (@daianaparisato), eu devoro.

Como você enxerga o impacto de ter mulheres falando sobre ciência em uma plataforma ampla como o TikTok?
É um impacto fundamental, porque ainda hoje, quando a maior parte da população pensa em um cientista, com certeza vem a imagem do estereótipo ‘Albert Einstein’ à mente. Recentemente a USP fez uma pesquisa e mostrou que as mulheres são a maioria na pós-graduação, mas posteriormente os cargos de chefia são em sua maioria ocupados por homens. Por que apesar de estarmos em maior quantidade, não assumimos cargos de liderança? Alguma coisa não está certa nessa equação, e quanto mais combatermos esses preconceitos e desconstruirmos esses vieses de gênero, abriremos espaço para uma ciência de qualidade e justa.

De onde vem a inspiração para os seus vídeos?
A inspiração para os meus vídeos vem em grande parte de livros. Os vídeos de curiosidade geralmente são baseados em obras que li de divulgação científica! E eu também acompanho bastante as notícias para encontrar potenciais conteúdos de ciência.

Você tem ajuda para criar conteúdo?
Não, no momento toda a produção de conteúdo é feita por mim. É um processo super trabalhoso, mas ver o resultado pronto é super satisfatório!

Qual ramo da ciência você mais gosta?
Com certeza Biologia Celular. As células são a unidade funcional básica dos seres vivos. Se conseguíssemos orquestrar os seus funcionamentos, poderíamos reverter doenças e manipular o organismo como um todo! Isso é fascinante. Eu estudo sobre células cancerígenas e escolheria essa área todos os dias. É desafiadora e acredito que nos próximos anos assistiremos a importantes avanços na ciência nesse ramo com a nanotecnologia.