Community11 de fev. de 2022
Perfil #AgoraÉMinhaVez: @deusacientista

Hoje, dia 11 de fevereiro, se comemora o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência e vamos contar um pouco mais sobre a história de Kananda Eller, conhecida na internet como @deusacientista. A jovem é oriunda de Plataforma, subúrbio de Salvador, na Bahia, tem 25 anos, formada em química pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestranda em Ensino de Ciências Ambientais pela Universidade de São Paulo (USP). Em 2021 foi eleita Baiana do Ano, na categoria Ciência, pelos leitores do jornal baiano Correio. Kananda defende a ciência para todos e também foi indicada ao TikTok Awards 2021, na categoria #AprendaNoTikTok, premiação que celebrou a criatividade dos criadores de conteúdo do TikTok. Morando atualmente em São Paulo e dona de um perfil com mais de 75 mil seguidores e quase 1 milhão de curtidas, Kananda utiliza a plataforma para destacar a importância de cientistas negras e negros na sociedade, além de explicar a ciência de forma didática e acessível. Como professora e influenciadora digital, sua meta é ser multiplicadora de conhecimento.
Conte-nos um pouco sobre sua história de vida e trajetória na internet.
Eu tenho 25 anos e venho do subúrbio de Salvador, de um bairro chamado Plataforma, mas atualmente moro em São Paulo. Diferentemente de muitas pessoas na minha comunidade, eu sempre tive acesso à educação, estudei a vida inteira como bolsista em escolas particulares. Minha mãe sempre acreditou que minha emancipação viria pela educação, então sempre fizemos esse esforço. Entrei na faculdade de química na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2015 e me formei em 2019.
Quando entrei na universidade, eu sabia que queria seguir a carreira acadêmica, seguir a pesquisa, trabalhar com produção de conhecimento porque, principalmente pela área que eu escolhi, que é a licenciatura (a área de ensino), é necessário ter outras titulações para termos uma melhor condição de vida. É difícil ser somente professor. Por isso optei por seguir dessa forma. É importante explicar que quando viemos da periferia, precisamos escolher um curso não somente porque gostamos, mas de forma estratégica para a nossa vida.
Durante a minha trajetória na graduação, eu sempre me conectei com a Universidade, mesmo que fora dela. Criei um pré-vestibular lá em Plataforma, que se chamava "Quilombo Social Pré-Vestibular Amigos do Bem", uma iniciativa educacional que forneceu, por seis anos, apoio gratuito para jovens e adultos negros em situação de vulnerabilidade. Dávamos aulas para essas pessoas e colocamos muitas delas na Universidade.
Durante o meu processo de formação, pesquisei sobre a cultura negra dentro da química e percebi que ainda não tínhamos uma formação adequada para isso e eu queria muito compartilhar esse conhecimento com as pessoas. Quando pessoas pretas e indígenas entram no espaço acadêmico, não temos referência, estamos aprendendo outra cultura, uma cultura branca. E quando a pandemia veio, ficou muito nítido que eu poderia fazer isso nas plataformas digitais. Em 2020, quando eu estava introspectiva em casa e pensando o que fazer da vida, resolvi compartilhar um vídeo e tive uma resposta muito boa — até então, não tinha muitos seguidores e era uma conta pessoal. Logo resolvi fazer das minhas redes um espaço para compartilhar o que eu sabia, um espaço de enfrentamento político e agora de trabalho. Em 2021, ingressei no mestrado da USP, em Ensino de Ciências Ambientais. Hoje trabalho com produção de conteúdo na internet e sigo com meu mestrado.
Quando e por que você começou a gravar conteúdos para o TikTok? E como você tem usado a plataforma e interagido com ela?
Lá pela metade de 2020, comecei a gravar conteúdos para o TikTok. Durante a pandemia, o formato da plataforma, que é de vídeos curtos, começou a viralizar muito e trazer relevância, então, por querer alcançar mais pessoas, optei por vídeos nesse formato. Entrei no aplicativo e, desde o primeiro vídeo, recebi uma devolutiva muito grande. É claro que não consigo explicar a ciência profundamente em vídeos de até 3 minutos, mas consigo passar as mensagens sobre a minha proposta nas redes sociais.
Faço postagens semanalmente, acompanho as campanhas, tendências e hashtags, sigo perfis que estão em sinergia com os conteúdos que produzo, tento interagir com a comunidade, com os comentários e tenho recebido um carinho enorme do público. Infelizmente não consigo responder a todos, principalmente quando um vídeo viraliza muito, mas faço meu melhor. O TikTok hoje é uma das plataformas que mais utilizo, mas também uso outras.
Em sua opinião, qual a importância de uma mulher cientista, preta, propagar na internet o conhecimento científico desenvolvido por pessoas pretas?
Eu falo sobre isso porque, principalmente, pessoas negras e a comunidade negra sempre é colocada em um lugar de inferioridade. Produção de conhecimento científico, intelectualidade, inteligência, são coisas que foram negadas para nós, como se não fizéssemos parte disso. E isso é tão importante para autoestima, para o empoderamento de pessoas negras, quanto para qualquer outro tipo de pessoa. Para que possamos não nos alienar da própria realidade.
Então, precisamos entender que existia produção de conhecimento feito por pessoas negras desde antes da escravidão, como foi esse processo, por que não acessamos esse espaço hoje — de produção de conhecimento científico —, o que estamos produzindo hoje para o mundo, mesmo que estejamos em menor quantidade. Isso é muito importante para que nos sintamos pertencentes desses espaços, porque muitas pessoas negras hoje entram nas universidades e pensam em desistir, porque entram em um espaço onde não estamos aprendendo coisas que fazem sentido para a nossa própria realidade. Não nos identificamos com aquele currículo.
A maioria das pessoas que acessam esse espaço de produção de conhecimento são pessoas brancas, muitas vezes (nem sempre) existem pessoas que têm um outro status de condição financeira e isso intimida — gera um sentimento de não pertencimento àquele lugar. Acredito que trazer esse movimento de autoestima, empoderamento, através do conhecimento científico, é importante para que possamos entender que o espaço de produção de conhecimento também é um espaço para nós, assim como pessoas brancas poderem nos enxergar nesses locais. É importante para tudo isso, para o fortalecimento da nossa própria cultura no geral.
Em que momento você percebeu que tinha se tornado uma influenciadora digital? O que isso significou para você?
Acho que quando comecei a ter muitas pessoas me seguindo, apoiando meu trabalho e se emocionando com as coisas que eu falava… E quando comecei a entender aquele espaço como trabalho. Não sei se teve algum momento ou uma situação que posso ter pensado “sou uma digital influencer”, foi uma construção. Ainda estou nesse processo de me afirmar como digital influencer, como posso comunicar…
E, isso tudo, o ato de me comunicar com as pessoas, o processo de transformar a minha vida e a minha realidade significa representatividade pra mim. Estou vendo uma perspectiva clara de mudança de vida, transformando a minha própria realidade, e isso é muito gratificante. É claro que existe o lado contra da internet, mas a maioria é pró e me sinto feliz e valorizada. As pessoas se identificam com meu conteúdo, que não é muito do que aprendemos nas escolas… mas é uma necessidade. E isso mexe muito com a autoestima das pessoas negras. Quando elas se deparam com meu conteúdo elas se sentem gratas, felizes e emocionadas por esse serviço/trabalho.
O que a viralização e a consequente fama, através da plataforma, significa para a sua vida? Qual o seu sonho de vida como influencer digital?
Não me considero famosa e, sim, conhecida (risos). Na rua às vezes as pessoas me conhecem, mas ainda estamos na pandemia... Então, acredito que meu objetivo nas redes sociais, o que pretendo alcançar no meu trabalho, é que, de forma independente, gere impacto nas instituições, nas escolas, nas universidades, na vida das pessoas. Eu quero ser uma multiplicadora de conhecimento, e espero que isso tudo não fique apenas restrito aos meus perfis, e que possa impactar na formação de livros, de aulas. Recebo mensagens de professores que falam que usaram algum vídeo meu em classe. As redes sociais têm o papel de alcançar pessoas e se eu puder ser uma multiplicadora nesse sentido, é muito importante. Alcançar ainda mais pessoas para que elas possam multiplicar o que venho falando nas redes.
Já pelo lado pessoal, o sonho de muitos jovens negros é dar uma casa para os pais… Minha mãe tem quase 50 anos e ainda não tem uma casa própria. Hoje estou tendo a oportunidade de virar a minha vida e de pensar em poder prover mais conforto para minha família. Também quero desenvolver uma carreira como influencer digital e fazer doutorado fora do país.

Como o TikTok impactou a sua vida?
O TikTok gera todo esse impacto e meu crescimento na plataforma foi grande, foi a que eu mais cresci e a plataforma que mais me acolheu, pois há pessoas da própria plataforma que têm estado comigo, me apoiando e direcionando. É a plataforma em que eu me vi crescendo e o formato do TikTok molda muito do que eu produzo.
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